Pode parecer um mero detalhe, mas na verdade a tração do carro é um dos seus fatores mais importantes. É uma das grandes razões de ser do veículo, contribuindo decisivamente para sua capacidade de se movimentar e carregar peso.
O mais comum é ouvir falar da tração 4×2, que é aquela em que duas das quatro rodas do carro estão impulsionando o veículo, seja pelo eixo dianteiro ou pelo traseiro.
Mas também existem a tração 4×4 (4WD) e a integral (AWD). Para entender melhor o que essas abreviações significam e quais as diferenças entre os tipos de sistemas, trouxemos dois especialistas na área.
O engenheiro Wagner Fonseca, mentor de transporte da SAE BRASIL, e o engenheiro Carlos Pinotti. Confira!
O que é a tração veicular?
Basicamente, a tração é o movimento físico ou a energia cinética que o motor exerce sobre as rodas do automóvel, colocando-o em movimento.
Para que isso ocorra, essa tração precisa ser mais forte do que a soma do peso do veículo com a resistência da superfície. Por isso é que subir uma ladeira é bem mais difícil do que descê-la.
O sistema de transmissão
“Todo mundo fala muito de motor, que realmente é o que gera o torque e a potência do carro. Mas para isso chegar às rodas o veículo depende do sistema de transmissão, que pode ser mecânico ou automatizado”, explica Fonseca. “Ou seja, o veículo não é só o motor, ele depende totalmente dessa transmissão, que é justamente onde entra a parte de estabilidade e de tração veicular”, complementa.
Nesta linha, existe uma espécie de consenso de que carros comuns ou de passeio, voltados para ruas asfaltadas e situações que não demandam nenhuma estabilidade excepcional, podem contar apenas com tração 4×2.
Ao passo que automóveis que enfrentam terrenos acidentados ou irregulares precisam de tração nas quatro rodas. Tanto para garantir a força necessária, quanto para evitar os famosos casos de atolamento ou de perda da estabilidade.
Rolamento, aerodinâmica e superfície
“Há três fatores que consomem a potência do motor, que é o que faz o veículo dar partida ou simplesmente manter uma dada velocidade em uma via”, esclarece Pinotti. “Primeiro, a resistência ao rolamento, que é a relação do pneu com o tipo de pavimento em que ele se encontra, que pode ser ou não favorável”, aprofunda.
De fato, o mesmo veículo, com as mesmas condições mecânicas, pode ter um desempenho totalmente diferente em uma via plana. Seja bem asfaltada e seca, ou de paralelepípedos em que acabou de chover.
No exemplo dado, a eficiência da tração pode cair de 100% para algo entre 35% e 40%, ou seja, menos da metade. Em uma situação de lama, areia ou mesmo gelo cobrindo o chão, pode-se decair para algo entre 15% ou 20%.
Daí que haja carros com mecânica desenvolvida especialmente para a situação off-road. Ou seja, “fora da estrada”, que são situações em que não se dispõe da infraestrutura típica de uma região urbana, o que muda tudo na realidade da tração do carro.
Aerodinâmica
“O segundo fator que consome a potência do motor é a resistência aerodinâmica”, prossegue Pinotti, e aprofunda: “Quando você dá a ignição, sua velocidade é zero e sua resistência também é zero. Porém, já na estrada, na situação que chamamos de ‘velocidade de cruzeiro’, essa resistência cresce exponencialmente, em função do quadrado da velocidade”.
Em outras palavras, conforme a velocidade que o carro estiver, seja 10 km/h ou 100 km/h, ele sofrerá uma perda aerodinâmica proporcional, que é o que torna difícil ao veículo manter ou crescer em termos de velocidade.
“O terceiro fator é a inclinação da superfície, que impõe uma carga que, por assim dizer, puxa o veículo para trás. Por isso, em função do ângulo de inclinação da pista e da massa do veículo, uma força vai puxá-lo para trás e também vai roubar parte de sua potência”, incrementa Pinotti.
4×4 (4WD) vs. Integral (AWD)
O termo 4WD (4-Wheel Drive) significa “Tração nas 4 Rodas”, lembrando que com essa tecnologia ela pode ser acionada ou não, ficando a cargo do condutor decidir.
Ao passo em que a sigla AWD (All-Wheel Drive) remete à famosa “Tração Integral”, que é como a chamamos no Brasil. Diferentemente da 4×4, essa tecnologia fornece uma tração permanente nos dois eixos.
4WD: mais força e mais gasto
“Em relação ao 4×2, a única desvantagem da tração 4×4 é que, independentemente de ela estar acionada ou não, há mais peças no carro, o que impacta em sua massa total e, consequentemente, até mesmo na conta de combustível”, explica Fonseca.
Ou seja, assim como a tração traseira costuma ser mais cara do que a dianteira, porque o carro depende de um eixo cardã para transferir a tração da parte da frente (onde está o motor) para a parte de trás, no 4×4 há todo um sistema complementar.
Lembrando que o acionamento desse sistema pode ser mecânico ou eletrônico. E que, embora o carro acabe gastando mais do que o normal mesmo que o sistema 4×4 não esteja acionado, assim que ativado ele consome ainda mais. Isso em conformidade com o esforço maior que está sendo demandado.
“Trata-se, no mínimo, da caixa de transferência que liga os dois eixos, sendo que dentro de cada um deles ainda é preciso que haja um diferencial”, continua Fonseca, descrevendo o sistema de tração 4×4. “Tudo isso é que vai encarecer a produção do veículo, bem como aumentar seu consumo de combustível”, conclui.
AWD: situações excepcionais
“A grande diferença entre a tração 4×4 e a integral é que a primeira, como vimos, ainda pode consumir um pouco menos de combustível se não for acionada, ao passo que aqui essa função desaparece, obrigando o sistema a funcionar o tempo todo” introduz Pinotti.
Ou seja, as mesmas considerações feitas em relação à 4×4 quando comparada à 4×2, nós podemos fazer aqui: na tração AWD também há mais peso e mais consumo.
“Agora, no caso da integral, a montadora do veículo também fez um balanço de tração, baseado no equilíbrio e nas condições de tração entre os dois eixos. O que em condições extremas pode fazer toda diferença, de modo que para direção esportiva e off-road o mais indicado é mesmo a integral”, complementa Pinotti.
Mudança discreta
Contudo, fora desses casos excepcionais, como em condições urbanas e rotineiras, o mais provável é que não seja nem mesmo possível ver a diferença de potência veicular, seja entre a 4×4 e a integral, ou mesmo entre essas e a tradicional 4×2.
“Algo que você passa a ter integralmente na tração integral, é um equilíbrio que traz um aumento de estabilidade em curva, além da própria aderência à superfície”, inclui Fonseca, e prossegue: “Lembrando que em regiões dos EUA e da Europa, essa função pode ser essencial mesmo na realidade do trânsito urbano. Já que em várias épocas do ano chove muito e chega a nevar. No Brasil, realmente, é só para situações excepcionais e esportivas”.
Outra dúvida muito comum é sobre a velocidade e a frenagem. “Muitos confundem, achando que vale a pena ter tração 4×4 ou integral para o carro correr mais na superfície plana, ou pior, que o freio será melhor”, explica Pinotti.
“Na verdade, todo carro já tem frenagem nas 4 rodas, seja qual for o tipo de tração. Portanto, mesmo que você tenha tração especial, o freio não vai fazer milagres. Então, é preciso tomar muito cuidado, pois maior potência não é maior poder de frenagem”, finaliza.